Descriminalização da cannabis sativa: um debate que avança no país, mas ainda incipiente no movimento negro

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Introduzida no Brasil por negros e negras escravizados/as, a cannabis sativa, mais conhecida como maconha, historicamente alvo de preconceito e discriminação por grande parte da sociedade, passa a ser vista com outros olhos na atualidade devido às suas propriedades terapêuticas.

Anuário produzido pela Kaia Mind revela que 672 mil pacientes fizeram uso da cannabis medicinal em 2024, movimentando 853 milhões. Asma, epilepsia, fibromialgia, dores crônicas, Alzheimer são algumas doenças que evidências científicas comprovaram sua eficácia no tratamento.

Como se vê, um mercado muito promissor, e a indústria farmacêutica está de olhos bem abertos para o potencial desse mercado. E nós, do movimento negro, qual tem sido a nossa participação nesse debate? Há muito que reivindicamos uma Reparação Histórica pelos mais de 350 anos de trabalho escravo.

E o mercado da cannabis medicinal, e de também para uso recreativo, que certamente virá num futuro próximo, haja vista a descriminalização da quantidade de até 40 gramas para uso pessoal pelo STF (Supremo Tribunal Federal), são oportunidades singulares para promover reparação à comunidade negra.

O tráfico de drogas nas comunidades pobres e periféricas utiliza-se da juventude negra como mão de obra no mercado de drogas ilícitas. Muitos países do mundo promoveram a legalização, regulamentação e tributação de drogas, ao invés da repressão “guerra às drogas”, uma guerra perdida ao custo de milhares de vidas ceifadas nessa guerra que, ao fim e ao cabo, é contra pretos, pobres e favelados.

Quantos jovens não estão hoje no sistema prisional por duas ou três buchas de maconha, enquadrados como traficantes num sistema de justiça seletivo?
Neste sentido, é fundamental que as organizações e lideranças do movimento negro possam se apropriar desse debate, propor políticas públicas que incluam aqueles e aquelas que historicamente foram discriminados/as.

Não é exagero dizer que a legislação que proíbe o uso da cannabis no Brasil é profundamente racista. Em 1830, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro proibiu o uso da substância através da lei conhecida como “Pito do Pango”, a cidade tinha em torno de 60 mil habitantes, composta majoritariamente por negros e negras escravizados, principais alvos da lei. Já em 2006, a lei 11.343/06, que em tese buscava ampliar a punição para traficantes e tratar o usuário como questão de saúde pública, promoveu um encarceramento em massa de jovens pretos, por falta de critérios objetivos para definir o que pode ser enquadrado como tráfico ou para consumo pessoal. Legislações que, na prática, promovem o racismo institucional.

Em tempos de emergência climática, com múltiplas utilidades, a cannabis pode ser uma ferramenta não apenas medicinal e industrial, mas também ambiental, focando em práticas sustentáveis de agroecologia, justiça social e geração de renda.

O cânhamo, uma das variedades da cannabis sativa, tem demonstrado um impacto positivo na recuperação ambiental, com benefícios como captura de carbono, regeneração de solos e corpos hídricos, além de ser uma alternativa viável a materiais tóxicos como o plástico.
Não tenho dúvidas de que, ao nos despirmos do preconceito e da discriminação, podemos avançar muito neste debate sobre a descriminalização do uso da cannabis, um debate no qual o movimento negro brasileiro tem todas as condições de ser protagonista.

Por Welington Barros,

Artista plástico, pesquisador de africanidades, ativista pela equidade racial e pelos direitos humanos, militante da UNEGRO.

Welington Barros
Welington Barros
Artista plástico, pesquisador de Africanidades, coordenador do Museu Capixaba do Negro entre 2013 e 2017, ex-presidente da UNEGRO Capixaba, atualmente integra a equipe do Programa Nacional Comitês de Cultura no ES.